Antigo Egito

Banhado pelas águas do Mediterrâneo, o norte da África é formado em sua maior parte pelo deserto do Saara. Entretanto, se observarmos o mapa abaixo, veremos que. em sua extremidade oriental, a região é cortada vertical mente por um curso de água de mais de 6 mil quilômetros de extensão: o rio Nilo.

Nas nascentes do Nilo – onde hoje se encontram os limites da Etiópia, do Sudão e de Uganda – caem abundantes chuvas nos meses de junho a setembro, que provocam a elevação das águas em todo o seu percurso. Quando as águas voltam ao normal, deixam o solo recoberto de limo, ou humo, cuja fertilidade oferece condições excepcionalmente favoráveis para a prática da agricultura.

A formação do Império

Essa região começou a ser ocupada por grupos humanos por volta de 5000 a.C. Com o desenvolvimento da agricultura, tais grupos formaram pouco a pouco pequenas comunidades de aldeias. No IV milênio a.C., essas antigas comunidades se agruparam em unidades políticas, os nomos, governadas por nomarcas. Mais tarde, os nomos acabaram por se reunir em dois reinos distintos: um ao norte e outro ao sul.

Por volta de 3200 a.C., Menés, governante do reino do sul, unificou as duas regiões. Surgia assim um Estado centralizado e forte dirigido por um único governante que detinha enormes poderes: o faraó.

Pirâmides dos faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos, localizadas na necrópole de Gizé, no Egito. Os três faraós, respectivamente pai, filho e neto, pertenceram à IV Dinastia, que durou de 2723 a 2563 a.e. Na foto também podem ser observadas pirâmides menores, destinadas nesse caso às rainhas.

A história do antigo Egito, iniciada com a unificação dos dois reinos, pode ser dividida em três longos períodos:

Antigo Império (3200-2000 a.C.)

Época de consolidação do Estado unificado. O faraó, considerado uma divindade, governava com poder absoluto, auxiliado por altos funcionários, que administravam os nomos. Entre 2700 a.C. e 2600 a.C., foram construídas as célebres pirâmides de Gizé, atribuídas aos faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos. Entre 2400 a.C. e 2000 a.C., a autoridade do faraó ficou enfraquecida pela ação dos nomarcas, apoiados pela nobreza. O Estado entrou em crise.

Médio Império (2000-1580 a.C.)

Os faraós restauram seu antigo poder e conquista m a Palestina e a Núbia, onde os egípcios passaram a explorar minas de cobre (Palestina) e de ouro (Núbia). Essa exploração fortaleceu o Estado egípcio e possibilitou o aprimoramento da produção de armamentos. Por volta de 1750 a.C., os hicsos, povo proveniente da Ásia, invadiram o Império e se instalaram no delta do Nilo permanecendo na região até 1580 a.C.

Novo Império (1580-1085 a.C.)

A expulsão dos hicsos marca o início de uma nova fase, com um grande desenvolvimento militar e a conquista de vastos territórios. No governo de Tutmés III (1480- 1448 a.C.), a expansão egípcia chegou a se estender até o rio Eufrates, na Mesopotâmia. As áreas dominadas eram transformadas em uma espécie de protetorado: os governos locais eram mantidos no poder, sob o controle de um representante do faraó.

Os faraós da dinastia de Ramsés II (1320-1232 a.C.) enfrentaram novos obstáculos, como a invasão dos hititas, vindos da Ásia Menor. Nesse período, o Império entrou em declínio. A resistência aos inimigos externos foi enfraquecida pela rivalidade entre o faraó e os grandes senhores. No século VII a.C., os assírios invadiram o país. Em 525 a.C., o rei persa Cambises derrotou o faraó Psamético III, colocando fim à independência egípcia. Os povos do Nilo seriam ainda dominados pelos macedônios e, a partir de 30 a.C., pelos romanos.

Estátuas esculpidas em pedra calcária por volta de 2350 a.C., representando o inspetor de escribas Raherka à esquerda) e sua esposa Merseankh, que viveram durante a V Dinastia do Egito. A arte egípcia seguia rígidas normas de composição, como, por exemplo, a representação dos homens com pele mais escura do que a das mulheres.

A organização social

Considerado filho de Amon-Rá, o deus-Sol, e encarnação de Hórus, o deus-falcão, o faraó ocupava o topo da hierarquia social. Era ele quem comandava o exército, distribuía justiça e organizava as atividades econômicas. Seus símbolos eram um cetro e a dupla coroa, marca do Alto e do Baixo Egito. Abaixo do faraó, em escala decrescente, estavam os sacerdotes, os membros da nobreza, os escribas, os soldados, os camponeses, os artesãos e os escravos.

Os sacerdotes, pelo prestígio das funções sagradas que exerciam, constituíam a camada social mais elevada. Eles administravam os bens ofertados aos deuses pelos fiéis e pelo Estado, assegurando a regularidade da prática religiosa.

Lucrativa e honrosa, a atividade sacerdotal passava de pai para filho. Uma das funções desse grupo era transmitir as respostas das divindades às perguntas dos fiéis. Os sacerdotes que serviam aos grandes deuses gozavam de maior prestígio – o Profeta de Amon era o mais importante deles.

A nobreza era formada por parentes do faraó, altos funcionários do palácio, oficiais superiores do exército e chefes administrativos. Os altos funcionários tinham a posse de extensos domínios e levavam uma vida luxuosa.

Os escribas eram funcionários que dominavam a escrita, formada por caracteres denominados hieróglifos. Estudavam nas escolas do palácio. Os mais preparados podiam ocupar altos cargos ou se tornar magistrados, inspetores, fiscais do trabalho ou das rendas públicas; eram eles também que coletavam os impostos e supervisionavam a administração.

Os soldados viviam dos produtos dados em pagamento por seus serviços e dos saques realizados durante as guerras. No exército havia também estrangeiros, como líbios, que recebiam como pagamento lotes de terra. Antes da invasão dos hicsos, os egípcios desconheciam o cavalo; os soldados combatiam a pé, protegidos por um equipamento de couro.

Camponeses e artesãos estavam na base da sociedade. Os primeiros trabalhavam nas terras pertencentes ao Estado, ou concedidas em usufruto a pessoas da nobreza e aos templos. Moravam em cabanas e vestiam-se pobremente. Nem todos os trabalhadores, contudo, viviam em condições miseráveis.

Na construção das pirâmides, por exemplo, a remuneração da mão-de-obra dependia de seu grau de especialização. Assim, em Deir al-Medina, povoação na qual moravam operários e artesãos que construíam os túmulos dos faraós no Vale dos Reis, durante o Novo Império, alguns trabalhadores especializados chegavam a ter criados em suas residências .

Os escravos eram originários de povos subjugados. A eles estavam geralmente destinados os serviços domésticos de famílias abastadas e trabalhos mais pesados, como o de transportar pedras para a construção de templos e pirâmides.

O Estado comanda a economia

Em grande parte, a vida econômica dos antigos egípcios girava em torno do Nilo, cujas águas eram utilizadas para a irrigação dos campos cultivados e para o transporte fluvial. Para seu melhor aproveitamento, os egípcios construíram diques, reservatórios e canais de irrigação.

Graças à ação centralizadora do Estado, os trabalhos agrícolas proporcionavam vastos recursos. Os escribas mediam e demarcavam as terras. Os tributos eram proporcionais ao tamanho dos lotes. Havia descontos se a colheita fosse prejudicada por cheias. ‘frigo, cevada, legumes, papiro e uva eram os principais cultivas. A produção agrícola era complementada pela pesca, pela caça e pela criação de animais.

A terra pertencia à comunidade como um todo, representada pelo Estado. Não havia propriedade privada da terra. Os camponeses tinham direito apenas ao usufruto do solo. O Estado coordenava as atividades produtivas. Os trabalhadores eram tratados como servos do Estado. Em retribuição ao seu trabalho, os agricultores ficavam com uma parte da produção. Os excedentes eram armazenados nos celeiros do faraó.

A base da produção estava assentada em comunidades que detinham a posse, mas não a propriedade, do solo. O poder estatal representava a unidade de todas as comunidades; controlava o uso dos recursos econômicos essenciais e extraía diretamente uma parte da produção das comunidades.

A rígida hierarquia que caracterizava a sociedade egípcia dificultou o desenvolvimento de uma classe mercantil. Apesar disso, o comércio alcançou certo dinamismo. Das regiões próximas ao mar Negro, da Núbia e da Síria vinham pedras preciosas, marfim, perfum es e madeira. Os egípcios, por sua vez, exportavam cereais, vinho, óleos vegetais e papiro. Tudo esse comércio era feito por meio da troca de produtos, pois a moeda só começou a ser utilizada no Egito a partir de 400 a .e. O comércio exterior era monopolizado pelo Estado.

Jazidas de ouro entre o Nilo e o mar Vermelho deram origem a uma diversificada atividade artesanal de ourivesaria. Produziam-se, ainda, móveis, sarcófagos, carros de guerra de madeira e armas de bronze para o exército.

Deuses e sacerdotes

Os egípcios eram politeístas, isto é, acreditavam em diversos deuses, geralmente representados na forma humana e animal. As forças da natureza, do mesmo modo que animais como gatos, cães, serpentes, crocodilos, eram também objeto de adoração.

Segundo a mitologia egípcia, nos primeiros tempos, Set (o vento quente do deserto) assassinou o irmão Osíris (deus da fertilidade e da morte) e lançou seu corpo ao Nilo. Ísis (esposa de Osíris e deusa da vegetação e das sementes) conseguiu encontrar o corpo. Mas Set voltou a atacar, dividindo Osíris em catorze pedaços, que foram espalhados pelo Egito. Ísis, pronunciando palavras mágicas, uniu os pedaços com a ajuda de Hórus (deus-falcão, o sol nascente).

A história de Osíris pode ser interpretada como a do ciclo da natureza regido pelo rio Nilo . Tudos os anos, os egípcios viam as sementes “morrerem” e “ressuscitarem”, ou seja, assimilaram da natureza a noção de imortalidade.

Essa crença original sofreu mudanças ao longo do tempo. Os sacerdotes de Heliópolis, por exemplo, impuseram o culto a Rá (o deus-Sol, criador de todos os deuses, que navegava pelos céus em sua barca sagrada). Os faraós de Tebas, para livrar-se da hegemonia dos sacerdotes, adotaram Amon como deus supremo. No fim, predominou uma combinação das duas divindades: Amon-Rá, protetor dos faraós.

Outros deuses eram Ptah, protetor dos artesãos; Thot, deus da ciência e patrono dos escribas; Anúbis, deus-chacal, protetor dos embalsamadores; e Maat, deusa da justiça .

Já os camponeses adoravam muitos animais, como os gatos que afugentavam os ratos, prejudiciais às colheitas. Em Tebas, Sobeque, o deus-crocodilo, era objeto de um culto especial. Er:? Mênfis, adorava-se Ápis, o touro, cuja morte era motivo de luto na região.

No século XIV a.C., o faraó Amenófis IV (1377- 1358 a.C.), casado com a rainha Nefertiti, estabeleceu o culto ao deus Aton, simbolizado pelo disco solar, que passou a ser a principal divindade do panteão egípcio. Na verdade, Amenófis IV pretendia fazer de Aton o único deus. Por isso, alguns estudiosos se referem ao novo culto como uma experiência monoteísta. Entretanto, a iniciativa não foi bem aceita pelo clero egípcio e o culto aos antigos deuses se manteve, embora sem a importância de antes.

Amenófis construiu um templo para Aton em Hermópolis e passou a se chamar Aquenaton, isto é, “aquele que adora Aton”. Entretanto, seu sucessor, Thtancâmon, restaurou o culto aos antigos deuses em suas formas tradicionais.

Para homenagear os deuses, os egípcios construíam grandiosos templos de pedra. Entre os mais famosos estão o de Carnac, erguido perto de Tebas, e o de Luxor, erigido no reinado de Amenófis IV. Também merece destaque o templo de Abu-Simbel, cavado na rocha e em cuja entrada se encontram gigantescas estátuas do faraó Ramsés II.

A vida após a morte

Os egípcios não encaravam a morte como o fim de tudo. Para eles, ela significava apenas o ato de separação entre o corpo e a alma. A vida poderia durar eternamente, desde que a alma encontrasse no túmulo o antigo corpo, destinado a lhe servir de moradia. Era preciso, então, conservar o corpo. Para isso, os egípcios desenvolveram a técnica da mumificação.

Na crença egípcia, o deus Anúbis conduzia a alma do morto até a presença de Osíris, diante do qual era julgada por outros 42 deuses. O coração, posto numa balança, deveria pesar menos que uma pena. Se fosse condenada, a alma seria devorada por uma deusa com cabeça de crocodilo.

Os túmulos podiam ser simples ou até imensas pirâmides. Nobres e sacerdotes importantes eram sepultados nas mastabas. No Antigo Império, muitos faraós eram enterrados em câmaras secretas no interior de grandes pirâmides. No Médio Império, isso era feito em mastabas. Já no Novo Império, o sepultamento dos faraós passou a ser realizado em escavações subterrâneas no Vale dos Reis.

Para durar eternamente

Os egípcios foram responsáveis por manifestações artísticas especialmente interessantes. No âmbito da arquitetura, os templos religiosos receberam particular atenção. Eram construções grandiosas concebidas para durar eternamente, assim como as pirâmides e as mastabas dos faraós. Os edifícios civis recebiam menos atenção e neles era empregado material menos durável.

A escultura atingiu o auge com a construção de monumentos de grandes proporções, como as esfinges e as estátuas de faraós. Mas as obras de pequenas proporções também mereceram atenção. Esse era o caso dos sarcófagos, de pedra ou madeira, nos quais os artífices procuravam reproduzir as feições do morto para ajudar a alma a encontrar o corpo. A pintura, por sua vez, tinha função decorativa e retratava cenas do dia-a-dia. Isso permite que hoje se possa reconstituir a vida cotidiana dos egípcios.

Templo localizado no complexo arqueológico de Abu-Si mbel, no Egito. Escavado na rocha, ele homenageava Rá, o deus-Sol. Começou a ser construído em 1284 a.C. por ordem do faraó Ramsés II, cujo no me significa ‘filho de Rá’, sendo concluído vinte anos mais tarde. Na entrada do templo (foto), erguem-se quatro gigantescas estátuas de Ramsés II.

A caminho da ciência

O estudo de Matemática e de Geometria tinha uma finalidade prática: a construção civil. Os egípcios usavam a raiz quadrada e as frações; calculavam também a área do círculo e a do trapézio.

A preocupação com as cheias e vazantes do Nilo estimulou o desenvolvimento da Astronomia. Observando os astros, os egípcios chegaram a localizar alguns planetas e constelações. Para medir o tempo, utilizavam relógios de água e um calendário solar. O dia era dividido em 24 horas e a hora em minutos, segundos e terços de segundo. A semana tinha dez dias e o mês, três semanas. O ano, de 365 dias, era dividido em estações: inundação, germinação e ceifa.

No campo da Medicina, os progressos também foram significativos. Infecções de olhos e dentes já eram conhecidas e tratadas pelos médicos e não eram raras intervenções cirúrgicas até mesmo no crânio.

Três formas de escrita

Os conhecimentos acumulados pela sociedade egípcia, e também os acontecimentos políticos, ficaram registrados em inúmeros textos escritos, muitos dos quais chegaram até nós. A escrita egípcia foi criada por volta de 3000 a.C., ou um pouco antes. Com o tempo, ela se dividiu em três modalidades: a hieroglífica, notação sagrada dos túmulos e dos templos utilizada pelos sacerdotes; a hierática, uma simplificação da anterior e muito empregada pelos escribas; e a demótica, escrita popular usada nos contratos redigidos pelos escribas (veja o boxe na página seguinte).

Em geral, a literatura era inspirada em temas morais, poéticos ou religiosos, como o Texto das pirâmides e o Livro dos mortos. Existiam também alguns contos e uma literatura de costumes, como A sátira das profissões, que mostra os inconvenientes de cada atividade profissional.

O Egito Moderno

Ao falarmos aqui do Egito moderno, estamos nos referindo a unidade política atual, que não corresponde exatamente ao território do antigo Egito. Como exercício. você pode comparar um mapa do Egito antigo, com as variações sofridas pelo território egípcio na Antiguidade com um mapa atual do Egito. Verá que há diferenças expressivas.

Com o colapso do Novo Império, o antigo Egito foi sucessivamente dominado pelos persas, pelos macedônios e pelos romanos. Mais tarde, seu território foi conquistado pelos árabes. que converteram a maioria da população ao islamismo e deram a ela sua atual configuração. No século XIX, o Egito tornou-se colônia da Inglaterra, conquistando a independência em 1922, sob regime monárquico. Em 1952, um grupo de militares, liderados pelo coronel Gamai Abdel Nasser, derrubou o rei Farouk e proclamou a República. Nasser permaneceu no cargo até a morte, em 1 970. Seu sucessor. Anuar Sadat, foi assassinado em 1981 após a assinatura dos acordos de Camp David, pelos quais o governo egípcio reconheceu o Estado de Israel. Nesse ano, assumiu a Presidência Muhammad Hosni Mubarak, que se reelegeria mais quatro vezes.

O Nilo continua sendo vital para a população egípcia. Suas águas são, ainda hoje, utilizadas tanto para a agricultura quanto para o transporte. Assim, se você visitar o Egito e percorrer o Nilo em um barco moderno, poderá se deparar, nas regiões próximas às margens, com camponeses vivendo em condições que não diferem muito daquelas em que viviam os antigos camponeses dos tempos dos faraós.

Pontos fortes da economia egípcia são também as reservas minerais (petróleo. gás natural, fosfato e ferro) e o turismo. Outra importante fonte de renda é o pedágio cobrado aos navios que cruzam o canal de Suez, construído em 1869 para ligar o Mediterrâneo ao mar Vermelho.

Referências Bibliográficas

  • Bard, Kathryn A. Introduction to the archaeology of Ancient Egypt. UK, USA: Blackwell Publishing, 2007
  • Baines, John; Malek, Jaromir. Deuses, templos e faraós: Atlas cultural do Antigo Egito (Tradução de Francisco Manhães, Maria Julia Braga, Michael Teixeira, Carlos Nougué). Barcelona: Folio, 2008.
  • KOENIG, Viviane; AGEORGES, Véronique. Às margens do Nilo: Os egípcios. Editora: Augustus, 1998.
  • LEHMANN, Johannes. Os Hititas. São Paulo: Hemus, 1977.

Leave a Comment